terça-feira, 20 de agosto de 2013

Eu ou o Grupo!!

Tenho visto nas páginas das redes Sociais e nos comentários dos sites, muita gente revoltada com os corruptos, partidos políticos, homofobia, entre outros, alegando ser contra ou a favor. É possível observar que cada um tem um ponto de vista distinto e contraditório, pois na verdade são todos preconceituosos. Esse fato é explicado pelo fato de não existir verdades absolutas, haja vista que a terra já foi considerada o centro do universo. Creio que essa e diversas outras "verdades" foram postuladas para atender a interesses particulares. E esse fenômeno continua a acontecer, mesmo no século XXI. 
Esse fenômeno de se acreditar em tudo, chamou minha atenção quando percebi que muitas informações que estavam sendo compartilhadas são de datas passadas que no contexto atual não tem tanta relevância. Dessa forma, tenho que fazer alusão ao que Le Bon postulava que a massa é burra, impulsiva e perigosa. No sentido de que a consciência individual é dissolvida dando lugar a instintos de grupo.
As pessoas estão revoltadas, incrédulas, desesperançosa, e tem sido esse o motivo desencadeador de comentários e críticas sem fundamento ou profundidade. Os movimentos que tem acontecido no Brasil foi de grande importância, pois mostrou o quanto a população está atenta aos acontecimentos, mesmo quando não se rebela de forma tão explícita como agora. Contudo, quando esse sentimento  "real" de revolta mistura-se àqueles pensamentos frustrados de que poderíamos mudar o mundo, mas na verdade só piorou. Claro, que ninguém pensa assim, haja vista, que essa tomada de consciência nos faria sofrer, pois seríamos parte da culpa. ( me exprimir no texto, pois sou parte dessa grande problema)

Percebo também que é perigoso colocar opiniões com teor técnico ou opinião pessoal, pois são capazes de fazer retaliações às opiniões que soam como "preconceituosas". 

Essa análise preliminar quer chamar atenção para a um processo que parece inibir consciência individual dos usuários das redes sociais e tem provocado um espécie de involução dos aspectos individuais em detrimento dos de grupo.  

Ao ler a teoria das motivações de  Maslow é percebido  que os indivíduos devem atingir patamares de satisfação básicos para poder acessar os superiores, mas parece que está ocorrendo um equívoco ou uma dinâmica cultural nova, pois as necessidades básicas estão sendo suprimidas em detrimento do status social, a auto-realização é alcançada a medida que seu status aumenta. As pessoas são tão populares na rede, mas são odiados fora dela.


Seria esse comportamento mais uma das evoluções do ser humano? Os aspectos individuais da comunicação será superada pelo coletivo?


Como os pais podem lidar com a notícia da homossexualidade do filho

Retirado do site Minha vida - Escrito por Anna Hirsch Burg Psicanálise

Terapia pode ajudar pais e filhos a aceitarem melhor a orientação sexual

O que você imagina que acontece numa família quando o(a) adolescente faz a confissão "Pai, mãe, eu sou gay!"? 
Nos últimos anos já ouvi no consultório reações que vão da indiferença e aplausos de pais mais modernos, aos gritos dos mais preconceituosos. Ameaça de suicídio da mãe, seguida da ameaça do pai em abandoná-la pelo fato ter os ter criado desta ou daquela maneira. Não raro, dependendo da crença religiosa da família, temos um discurso da possibilidade de que o jovem esteja com o diabo no corpo. Questiona-se quem sabe foram as más companhias que influenciaram. Não, na verdade ele está doente, equivocado, hipnotizado, influenciado, precisa urgentemente de um médico, um psiquiatra talvez... Não faltam pais que gritam em alto e bom som que prefeririam um filho delinquente, vândalo, drogado, alcoólatra, qualquer coisa seria melhor que essa vergonha familiar. 
Há pais menos, mas igualmente homofóbicos, que se questionam: mimamos demais ou de menos? Há um sentimento de preocupação e tristeza: não terão netos. Acreditam que, mesmo com a aceitação social da homossexualidade em ascensão e com o fato de hoje em dia haver inclusive casamentos gays, o preconceito existe e a vida será mais "dura" para seus filhos. 
Frente ao quadro descrito acima acredito que cabem alguns esclarecimentos, tanto em relação à sexualidade na adolescência quanto ao que é a homossexualidade. 
Vou falar do ponto de vista da psicologia e da psicanálise. Inicialmente vale ressaltar que o Conselho Federal de Psicologia publicou em 22 de março de 1999 um decreto no qual fica estabelecido que a homossexualidade não é doença, distúrbio nem perversão e resolve que os psicólogos devem contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizaçoes contra aqueles que apresentam comportamento ou práticas homoafetivas. Ou seja, não há o que curar nem o que mudar visto que não há doença. 
Para os pais que se culpam ou para aqueles que culpam as mães pela orientação sexual dos filhos, vale esclarecer que, do ponto de vista do inconsciente, a homossexualidade é produzida por uma série de fatores complexos, muitos dos quais têm pouco a ver com o tipo de criação que a pessoa recebeu. Responsabilizar unicamente os pais, ou pior ainda a mãe, é algo ingênuo, simplório e até grotesco. 
Se a homossexualidade é genética ou construída, ainda é um debate aberto. Sabemos que para os genes se realizarem são necessários fatores ligados ao meio ambiente. Ou seja, nada foi provado ainda. O grande argumento a favor da teoria genética é que foi feito um estudo com gêmeos univitelinos: percebeu-se que se um é homossexual a maioria dos irmãos também é. Na verdade, isso acaba sendo um argumento contra a tese, porque se são univitelinos, deveria ter sido um resultado de 100%, já que o patrimônio genético é rigorosamente igual nesses casos. 
Talvez vocês considerem estranha a minha observação, mas ao que consta, ninguém ainda saiu voando, viveu mais de 130 anos (a não ser na bíblia), ou viveu sem comer e beber, mas muitas pessoas durante a historia da humanidade amaram pessoas do mesmo sexo, portanto é inegavelmente uma possiblidade humana. 
Os adolescentes que sentem atração por alguém do mesmo sexo sentem-se inicialmente diferentes da maioria do grupo. A consciência do desejo sexual acontece progressivamente. Em alguns casos desde a infância. Vale ressaltar que os adolescentes, meninos e meninas, são tão diferentes entre si que não podemos estabelecer uma regra geral em relação ao seu comportamento frente à sexualidade. Independentemente da condição sexual, a transição do corpo infantil para o corpo adulto já exige toda uma elaboração, o que se dirá então quando o menino(a) se descobre diferente e temeroso de perder o amor familiar pelo fato de se descobrir atraído por pessoas do mesmo sexo... 

E o que a psicanálise tem a oferecer?

Existe uma ferramenta poderosa tanto para o casal como para um deles individualmente ou para o adolescente: a terapia. 
Muitas vezes saber que o filho não é da maneira como os pais imaginavam e queriam abala a relação (inclusive sexual) do casal. Acusações mútuas incessantes dificultam a convivência. Uma análise pode ajudar na descoberta de conteúdos inconscientes presentes na dinâmica do casal que impossibilitam a aceitação do "diferente" dentro da família. 
A análise pode ajudar os pais que têm dificuldades em entender o seu filho (mesmo quando o outro membro do casal não quer vir para a terapia). Desta maneira, poderão falar a respeito do que dói. Rememorar profundamente sua própria adolescência e por meio da técnica descobrir e respeitar sua singularidade. Consequentemente entender a singularidade das outras pessoas ao aceitar as diferenças, enfim, amar! Essa é resumidamente a proposta de um trabalho numa abordagem psicanalítica. 
Em relação ao adolescente, o trabalho gira em torno da aceitação de si mesmo, oferecendo-lhe a possibilidade de reflexão. Torná-lo menos adoecido pelo olhar e desaprovação do outro. Fortalecendo-o em relação a vários aspectos da vida. 
Finalizo com as palavras do psicanalista J. D. Nasio: "Os pais sofrem, pois devem realizar o luto do bebê dócil de ontem que seu adolescente deixou de ser e, ao mesmo tempo, aceitar que o garoto ou a garota de hoje não seja aquele ou aquela que sonharam ter". 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Mal-Estar e Segregação Religiosa

Texto extraído do site lacaneando
Andréa Brunetto*

Yo soy um moro judio/ que vive con los cristianos
No sé que Dios es el mio/ ni cuales son mis hermanos
Y a nadie le di permiso/ para matar en mi nombre
Un hombre no es más que un hombre
Y si hay Dios, asi lo quiso.
El mismo suelo que piso/ seguirá, yo me habré ido;
Rumbo también del olvido/ no hay doctrina que no vaya/
E no hay pueblo que no se haya/ creido el pueblo elegido.

Jorge Drexler y Chicho Sánchez Ferlosio

As energias que empregamos em sermos todos irmãos
provam bem evidentemente que não o somos.
Jacques Lacan

 Este trabalho pretende explicitar as visões de Freud e Lacan sobre a religião, para em seguida discutir a segregação religiosa e os movimentos fundamentalistas que tem proliferado na atualidade.
A psicanálise se interessa em estudar a segregação na medida em que investiga os laços sociais.
Em entrevista a revista Cult de setembro de 2005, Baudrillard faz uma análise da contemporaneidade com sua queda dos ideais: “os racismos, fundamentalismos e grupos étnicos se apresentam como um sintoma desesperado de pessoas que procuram uma regra do jogo, porque não há mais”.

Com Freud e Lacan
A vida é muito difícil de suportar, afirma Freud. Ela é muito árdua porque proporciona sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A tarefa impossível a que Freud se refere é a busca incansável que o homem empreende para alcançar a felicidade, busca solitária que cada um deve empreender porque sua solução não vale para os demais.

E, citando Frederico II, o imperador da Prússia – “em meu Estado, cada homem pode salvar-se a sua própria maneira” – marca sua posição: cada um procura ser feliz a seu modo. Nesse texto, Mal-estar na civilização, diz que isso é contra os valores religiosos, pois a religião restringe essa escolha, impondo a todos o mesmo caminho2.

Para Freud, a busca da felicidade é a busca do prazer, propósito do aparelho psíquico desde o início. Mas este projeto de ser feliz está em desacordo com o mundo. A civilização impõe limites à satisfação pulsional e o sujeito tem hostilidade para com “a civilização pela pressão que ela exerce, pela renúncia da pulsão”.3

Os homens não são seres gentis que desejam amar e ser amados, e que, no máximo, usam a agressão quando atacados, “são criaturas entre cujos dotes pulsionais deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade”. É Freud citando Plauto: o homem é o lobo do homem.

Os ideais culturais visam unir os membros da comunidade, vinculá-los por meio de uma meta comum, evitando que eles se destruam ou destruam os seus semelhantes. E, claro, nesses ideais também encontrarão satisfação narcísica. Estas três formas de unir os homens são a religião, a arte e a ciência.

A religião faz parte destes apoios para tornar tolerável o desamparo humano. Mas Freud a coloca como uma ilusão, um véu que barra a castração, à medida que faz existir um ser onipotente, o pai primevo, que Freud teoriza em Totem e Tabu. A existência desse Um pai, Deus, que tudo pode, permite aos seres humanos dar um sentido a morte, ao sexo, a vida. Enfim, diante das erupções do real, há alguém que sabe, que traça o destino dos homens.

Porém, Freud apostava na queda do poder da religião, afinal “os seres humanos não podem permanecer crianças para sempre. Têm de, por fim, sair para a vida hostil”. 4

O trabalho de Eros é unir os homens em famílias, raças, povos, nações e numa única unidade, a humanidade. E Eros se digladiaria com a pulsão de destruição. “Nesta luta consiste essencialmente toda a vida e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida. É essa batalha de gigantes que nossas babás tentam apaziguar com sua cantiga de ninar sobre o Céu”.5

A ideia de Freud é que uma educação para a realidade teria como meta fundamental preparar os jovens para lidar com sua agressividade, a qual todo homem se acha destinado. Assim, combateria as ilusões. Entre elas, é claro, a religião.

Freud apostava que o avanço da ciência colocaria o homem em uma relação com a verdade e contra as ilusões. Apostava, consequentemente, em uma queda de poder da religião.

No Seminário 11, Lacan sustenta que para o homem das luzes, do século XVIII, a religião era uma fundamental impostura, mas que para o homem do século XX é difícil entender esta descrença, pois “a religião, em nossos dias, goza de um respeito universal”. Fala mesmo, em uma entrevista de 1974 em triunfo da religião. A religião consegue dar um sentido às coisas que outrora eram coisas naturais. A psicanálise propõe uma verdade sobre o vazio que é diferente do que imediatamente dar um sentido a tudo que vem do real.6

Lacan afirma que se a religião triunfar, a verdadeira, o que é mais provável, isso será sinal que a psicanálise fracassou. Mas não quer dizer que a psicanálise desaparecerá, é até normal que ela fracasse, pois lida com algo que é muito difícil. E relembra Freud, colocando a psicanálise entre as profissões impossíveis.

Porém, Lacan acredita que Freud foi muito incisivo ao afirmar que tudo que é da ordem da religião não significava, ou mesmo acreditando que um dia o homem iria acordar. Afinal, a função do pai está no âmago da experiência religiosa. E é pelo assassinato do Um pai que se erige um totem, se funda o simbólico e, consequentemente, a civilização. Aliás, isso nos leva a questionar tantas teorizações sobre a carência da função paterna na contemporaneidade. Será que realmente, com o triunfo da religião, acreditando em Lacan, podemos falar em declínio da função paterna?

Não é um paradoxo?

A segregação

Freud já nos mostrou a dificuldade de cumprir o mandamento de amar o próximo como a si mesmo. Tomarei esta dificuldade por um viés: amar o próximo inclui a segregação. O laço social inclui a segregação. Até aí estamos sendo absolutamente freudiana. Segundo Palácios, o passo a mais, dado por Lacan, decorre de sua teorização sobre o gozo. O sujeito se ressente de sua falta de gozo e onde há falta de gozo supõe um responsável. É para este responsável que a segregação e o ódio se dirige.

Assim, não existe nenhum ato humano que não esteja enfronhado no racismo. É essa a afirmação de Lacan em Televisão: somos muito precários em nosso mais-de-gozar e mais ainda, vestimos com um “humanitarismo sentimentalóide nossas atrocidades”. Assim, faríamos uma operação: quanto mais segregação, mais discurso de igualdade e direito humanos.

Para Lacan, as atrocidades são humanas, demasiadamente humanas, porém previa uma escalada do racismo e da segregação. Na proposição de 9 de outubro de 1967, Lacan sustenta que a exclusão tem uma coordenada real que foram os campos de concentração. O nazismo foi um precursor da exclusão, que a universalização do sujeito que procede da ciência também faz.

Soler afirma que a segregação é diferente da discriminação. O Antigo Regime, com uma sociedade escravagista, era discriminatório, mas não segregativo. Cada um tinha seu lugar, pois o significante mestre era potente, o que permite tratar as diferenças de gozo.

Amós Oz conta que a Jerusalém de sua infância era um conglomerado de bairros com gente de diferentes culturas: armênios, árabes, judeus. E, mesmo entre os judeus, que vinham de diferentes países, se falavam várias línguas. Em Meu Michel chega a dizer que Jerusalém não existe, que ainda que viva cem anos, nela não se sentirá em casa, pois ela é plena de fortalezas ameaçadoras, de muros sombrios e altas muralhas. “Cidade que arde. Quarteirões inteiros pendurados no nada”.

O que todos os bairros tinham em comum era o fervor messiânico, cada um se acreditando o portador da herança verdadeira. Havia tensões, cada um em seu bairro, mas não violência. É um exemplo de uma cidade discriminativa e sem segregação, como Soler afirma. Pelo menos naquele momento. Todos sabemos como está hoje.

O humor contra o fanatismo religioso

No mês de fevereiro de 2006 foram feitas charges do profeta Maomé por um jornal dinamarquês, que enfureceram muito os muçulmanos e detonaram revoltas populares nos países árabes e ataques terroristas em embaixadas dinamarquesas pelo mundo. Em resposta, os europeus debocharam mais ainda dos islâmicos. Um ministro italiano deu entrevista na televisão com uma das charges desenhada na camisa. A pergunta que resultou foi: as charges deveriam ou não ser publicadas?

Muitos jornalistas, filósofos, historiadores escreveram, falaram. Então, cremos poder também dar nossa opinião. Aliás, todos podem.

Salman Rushdie, escritor indiano que já foi jurado de morte por ter escrito Os versos satânicos afirma que na Universidade de Cambridge aprendeu uma coisa bem interessante em um paísque, como a Inglaterra, já foi palco de tanta violência ligada a religião: você pode duvidar de tudo ,criticar qualquer sistema de ideias, sem ser grosseiro com seus autores. Nenhuma teoria é sagrada.

E isso, que ele chama o sagrado direito de ser ofendido é um avanço nas relações culturais.

Ele estava debatendo uma lei proposta por Tony Blair que pretendia introduzir uma proibição a toda forma de incitamento ao ódio religioso. “Nietzsche considerava o cristianismo a maior desgraça da humanidade. Ele deveria ser perseguido?” Uma lei assim, que censura e tolhe as opiniões, segundo ele, reforça o racismo.

Ele fala que foi dar uma palestra em Washington, em março de 2003 e um senador republicano lhe perguntou porque Osama Bin Laden disse que eles são um país descrente, “não há nada que nós respeitamos mais do que Deus”. Ao que ele, Rushdie, respondeu ‘eu suponho que ele não pense assim’. Tomando a sua cultura como o modelo, o senador republicano se mostrou tão intolerante com a religião do outro quanto Osama Bin Laden. E isso surpreendeu Rushdie, a indignação sincera do homem.

O filósofo esloveno Slavoj Zizek afirma que a medida do verdadeiro amor é poder insultar o outro. Se há amor, se pode dizer coisas horríveis ao outro e nem por isso se faz uma guerra. E que isso de respeito pela cultura do outro, do politicamente correto parece a ele racismo. E ele mesmo se pergunta: como posso estar tão seguro de que não sou um racista? “Só há uma maneira: quando se pode trocar insultos, deboches, chistes sujos com um membro de uma raça diferente, e ambos sabemos que por trás não tem uma intenção racista. Se, ao contrário, jogamos o jogo politicamente correto ‘oh, como te respeito, que interessantes são teus costumes’, é um racismo invertido”.

Tanto Rushdie quanto Zizek apontam a tolerância, aprender a conviver com o diferente, inclusive, criticando e aceitando a crítica, como a saída para o fundamentalismo religioso. Sustentamos que a segregação em nosso mundo atual tem envolvido muito mais os credos religiosos que as raças.

Se já sabemos com Freud que o ódio está no âmago dos laços sociais, como conseguir tal tolerância? O que poderia nos proteger da violência religiosa, como temos visto dia a dia nos noticiários?

E não apenas entre religiões opostas. No começo do ano de 2006, no Iraque, xiitas e sunitas, ambos islâmicos, começaram uma onda de violência declarada – dizemos declarada, pois a hostilidade já vem de séculos.7 É o narcisismo das pequenas diferenças. Freud já nos disse que onde as pessoas têm mais coisas em comum é onde se tecem as maiores batalhas.

Em quatro cartas trocadas entre o escritor japonês Kenzaburo Oe, Nobel de 1994, e o israelense Amós Oz, a segregação e a tolerância são discutidas. Hiroshima é para Kenzaburo um trauma assim como Auschwitz para Oz. Kenzaburo acredita que a tolerância será a questão do século XXI – as cartas foram trocadas em 1998 – mas previu uma corrente forte em sentido contrário. Segundo ele, a esperança é o poder da imaginação, cada pessoa tentando imaginar-se no lugar da outra.

Amós Oz responde que descobriu a cura do fanatismo: o bom humor. “Nunca vi um fanático bem-humorado e nem um bem-humorado se tornar fanático.8

Zizek e Oz apostam no humor. Esta é a aposta freudiana também. O humor é um triunfo do eu e do princípio do prazer. Uma forma de lutar contra a “crueldade” do real. Freud diz que o humor é uma rebeldia, é como dizer: “Aqui está o mundo, que parece tão perigoso! Não passa de um jogo de crianças, digno apenas de que sobre ele se faça uma pilhéria”.

Infelizmente, o humor é um dom raro, precioso, que poucos têm. Oz o sabe, já que alega que vai concentrar o bom humor em pílulas e distribuí-lo. Assim, mesmo o humor é uma saída precária, pois ele não é contagioso. Não é um dom distributivo.

Voltando agora às charges do Profeta Maomé, faremos uma analogia. Quando convidamos alguém para freqüentar nossa casa, não é educado dizer ao convidado que ele está mal-vestido ou que não usa os talheres direito. Ser tolerante é saber o que se pode dizer a alguém. É levar em conta o que o outro pode saber.

Discordamos de Salman Rushdie que se possa questionar tudo, e mesmo de Zizek que se pode suportar tudo porque se ama. Afinal, é na cama onde o amor se deita que acontecem as piores tragédias. A verdade tem limites, não a dizemos toda. Ainda que pese as afirmativas de que os muçulmanos sejam fundamentalistas – mais uma universalização.

E além do mais, achincalhar a religião do outro é como – com as devidas proporções – dizer ao nosso convidado: coma direito, você está segurando o garfo de forma horrível. Temos certeza que qualquer pessoa bem educada acharia isso um horror. E além do mais, Freud já nos mostrou que o humor envolve quem o faz e quem o assiste. E com essas charges só houve graça para um lado.

É por isso que a epígrafe desse trabalho é um trecho da música milonga do mouro judeu.

Seus autores dizem que mesmo pela Jerusalém dourada, de mil vidas mal gastadas em cada mandamento, a guerra é muito má escola, não importa o disfarce que ela use. Um homem não é mais que um homem. E se há Deus assim ele o quis”.

Notas

1 Trabalho apresentado no II Simpósio Internacional sobre Religiões, Religiosidades e Culturas, em abril de 2006, na cidade de Dourados.

2 Sigmund Freud. “O mal-estar na civilização” (1929), in: ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. XXI.

3 Sigmund Freud. “O futuro de uma ilusão” (1927), in: ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. XXI, p. 26.

5 Ibid, p. 145.

4 Ibid, p. 64.

6 Citamos o exemplo de Zizek: Jerry Falwell, figura conhecida americana, diante do ataque ao World Trade Center afirma que isto era um sinal

de que Deus não mais protegia os EEUU, porque eles haviam tomado um caminho de maldade, homossexualidade e promiscuidade.

7 Os xiitas, que são maioria e que foram espezinhados no governo de Sadam Russein, descobriram que a intrusão do governo americano com suas eleições arranjadas lhes favoreceriam, já que são em maior número. Vejam que até um dispositivo democrático como a eleição pode ser usada para acirrar guerras.

8 Continuando o texto de Oz: “Em outras palavras, meu tipo de messias chegará rindo e contando piadas. (…) O fanatismo é muito contagioso.

Pode-se pegá-lo no próprio ato de tentar curá-lo. Conheço o perigo de se tornar um fanático antifanatismo. Assim como a violência, o fanatismo pode se disfarçar de várias outras coisas”.

Referências Bibliográficas

FREUD, S. O futuro de uma ilusão. Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.

_______ S. Mal-estar na civilização. Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.

_______ O humor. Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.

KENZABURO & OZ. A dor compartilhada. Caderno Mais. Folha de São Paulo, 10 de janeiro de 1999.

LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1991.

________ O seminário, livro 11: os conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1993.

________ Televisão. RJ: JZEditor, 1993.

________ O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1992.

________ Proposição de 9 de outubro para o psicanalista da Escola. Opção Lacaniana. São Paulo, São Paulo, agosto, 1996.

________ Entrevista a imprensa do Dr. Lacan. 29 de outubro de 1974 no Centre Culturel Français-Rome. Tradução: Association Freudienne Internacional.

OZ. A. Contra o fanatismo. RJ: Ediouro, 2004.

_____ Meu Michel. SP: Cia das Letras, 2002.

PALACIOS, L. F. Sujeto, acto y Responsabilidad. In: Jóvenes bandas y acto delictivo. Asociación de Foros del Campo Lacaniano en Colombia, 1999.

RUSHDIE, S. O sagrado direito de ser ofendido. Revista Bravo, encarte Livros. SP: Editora Abril, abril 2005.

SOLER, C. Sobre a segregação. In: O brilho da inFelicidade. RJ: Contracapa, 1998.

ZIZEK, S. La medida del verdadero amor es: Puedes insultar al outro. Entrevista dada a Sabine Reul e Thomas Deichmann.

Andréa Brunetto é Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano,

Psicóloga, Mestrado em Educação. e-mail: brunetto@terra.com.br.