segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cálice - Chico Buarque e Giberto Gil

 Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)
Como beber dessa bebida amarga;
 Tragar a dor e engolir a labuta?
 Mesmo calada a boca resta o peito.
 Silêncio na cidade não se escuta.
 De que me vale ser filho da santa?!
 Melhor seria ser filho da outra;
 Outra realidade menos morta;
 Tanta mentira, tanta força bruta.

Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 De vinho tinto de sangue...

Como é difícil acordar calado
 Se na calada da noite eu me dano.
 Quero lançar um grito desumano,
 Que é uma maneira de ser escutado.
 Esse silêncio todo me atordoa...
 Atordoado eu permaneço atento
 Na arquibancada, prá a qualquer momento
 Ver emergir o monstro da lagoa.

Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 De vinho tinto de sangue...

De muito gorda a porca já não anda. (Cálice!)
 De muito usada a faca já não corta.
 Como é difícil, Pai, abrir a porta... (Cálice!)
 Essa palavra presa na garganta...
 Esse pileque homérico no mundo.
 De que adianta ter boa vontade?
 Mesmo calado o peito resta a cuca

Dos bêbados do centro da cidade.

Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 Pai! Afasta de mim esse cálice
 De vinho tinto de sangue...

Talvez o mundo não seja pequeno, (Cale-se!)
 Nem seja a vida um fato consumado. (Cale-se!)
 Quero inventar o meu próprio pecado. (Cale-se!)
 Quero morrer do meu próprio veneno. (Pai! Cale-se!)
 Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
 Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
 Quero cheirar fumaça de óleo diesel. (Cale-se!)
 Me embriagar até que alguém me esqueça. (Cale-se!)

A linda poesia foi escrita durante a Ditadura Militar. Ouvir esta obra de arte me faz viver pelo menos em imagens mentais a dureza daquele período.